" As águas vão rolar, garrafa cheia eu não quero ver sobrar ,... eu passo a mão no saca, saca, saca rolha e bebo até me afogar... deixem as águas rolarem"
"Tanto riso, oh quanta alegriaMais de mil palhaços no salão[... ]Eu quero matar a saudadeVou beijar-te agoraNão me leve a malHoje é carnavalVou beijar-te agoraNão me leve a malHoje é carnaval"
"Oh! Jardineira por que estás tao tristeMas o que foi que te aconteceu?- Foi a Camélia que caiu do galhoDeu dois suspiros e depois morreu..- Foi a Camélia que caiu do galhoDeu dois suspiros e depois morreu.. - Vem jardineira, vem meu amorNão fiques triste que este mundo "é todo teu"Tu és muito mais bonita que a Camélia que morreu."
Algumas dimensões envolvidas naquelas afirmativas devem ser observadas: musicalidade, época histórica, conteúdo e forma da letra por exemplo.
Quando preparamos o espírito para um evento carnavalesco (ou canavalesco,como preferir!) a predisposição à alegria, descontração, irreverência e deboche se faz presente naturalmente. No entanto quando fazemos, mesmo que rapidamente, uma leitura das letras das músicas e até da sonoridade, dos rítmos e das sensações que estes nos remetem, notamos um abismo imenso entre o que foi produzido artisticamente, em um passado não tão distante, da verborragia que somos coagidos a escutar a todo instante nos meios de comunicação de massa.
Sinto que o batuque dos atabaques, o toque da cuíca, dos pandeiros, as baterias e o grito das guitarras excitam nossos sentidos e até trazem prazer com um suingado gostoso, o triângulo a zabumba, a sanfona, nos impele a sairmos da inércia. È muito bom.
Não falo disto. Mas sim, da falta de reflexão que muitas das vezes nos faz passar por fantoches, marionetes ou bobos da corte, lançados na euforia do balanço das músicas, permeados pelo relaxamento provocado pelo álccool e que... de repente nos faz estar no meio do salão, das ruas, seja lá de onde for, cantando, gritando e repetindo falas que não condizem com nossos pensamentos e princípios.
Temos avançado nas políticas de gênero no Brasil, a legislação traz prerrogativas a mãe no período do aleitamento, proteje a mulher com a Lei Maria da Penha da covardia de alguns homens. Não obstante, seja comum vermos crianças em festas infantis dançando "na boca da garrafa" ou fazendo passos que simulam o ato sexual. Que Paradoxo!
Thomas Kunh, quando fala de ciência normal, nos diz que nunca ouve paradigma hegemônico, e que o modelo vigente se torna cada vez mais fraco a medida que os contestadores dele aumentam seu coro.
Prefiro não estar presente no cordão do paradigma de normalidade que toma conta de nossa sociedade em relação à banalização dos valores humanos.
"Já tomou meu homem destruiu meu larE agora só quer se fazer de santa (de santa)Pode ficar com ele deixa a minha vidaQue eu não vou dar ouvido a uma raparigaEu sei que ele pra mim vai voltar"
Se formos comparar os motes entre as canções acima e outras mais recentes, veremos semelhanças na temática e diferenças abissais na forma de tratá-las. Há falta de algo que se perdeu com o tempo "Se a polícia por isso me prenderMas na última hora me soltarEu passo a mão no saca-saca-saca rolhaNinguém me agarra, ninguém me agarra" e que está, de alguma forma atrelada à percepção que as pessoas passam a ter do mundo que as cercam.
Numa das canções os autores falam que querem beber até se afogar, há por mais deprimente que possa parecer nessa imagem, um trabalho de rebuscar a cena, há um burilamento na letra que permite aos que ouvem a sensação minimalista e eufemista dos efeitos deletérios da embriaguês, traz junto a si na letra,também, uma chamada à desobediência civil " Se a polícia por isso me prenderMas na última hora me soltarEu passo a mão no saca-saca-saca rolhaNinguém me agarra, ninguém me agarra".
Entretanto a forma grosseira como se trata a mesma temática numa música atual nos faz perceber a falta de polidez no trato da "obra de arte" " Cabra safadoTá na zueiraSó gosta mesmoÉ de mulher doideira". Nos parece que falta habilidadde aos "artistas" criações de melhor quilate ou pressupõem que o público não estaria preparado intelectualmente para compreender se assim o fizessem.
De qualquer forma a questão das diferenças qualitativas entre as produções de outrora e as de hoje, não estão tão ligadas a fenômenos naturais e deterministas da sociedade , mas sim pelo desconhecimento do belo, do bom e do bem pelo que passa nossa geração.